Camus nos Ensina a Dizer ‘Ok’ ao Absurdo
Albert Camus é uma dessas figuras que transcendem o tempo, não apenas por sua prosa incisiva e sua habilidade em explorar a condição humana, mas também pela maneira como transforma um tema tão pesado — o absurdo da existência — em um guia prático de vida. Ele não se limita a ser um filósofo ou um autor; é, de certo modo, como aquele amigo cínico que, em vez de se afundar na tragédia, contempla o caos, dá de ombros e decide seguir adiante. Esse espírito de aceitação diante do absurdo permeia toda a obra de Camus: ele não propõe a desistência, mas sim a aceitação do absurdo como um ponto de partida. É neste paradoxo entre aceitação e resistência que Camus nos ensina a viver, ou pelo menos a tentar.
O absurdo, conforme descrito por Camus, emerge do choque entre o desejo humano de encontrar significado e a total indiferença do universo. Ansiamos por respostas — sobre o sentido da vida e a razão de nossa existência — mas o mundo simplesmente não fornece essas explicações. Ele permanece em silêncio. Embora esse silêncio possa parecer esmagador, para Camus, ele é o solo fértil onde floresce a revolta. Essa revolta não representa uma rejeição à vida, mas sim uma recusa em abandoná-la. É um ato afirmativo, um grito desafiante diante do vazio. A vida é absurda? Certamente. E daí? A resposta é seguir em frente.
Em O mito de Sísifo, Camus apresenta uma metáfora vigorosa a respeito dessa condição absurda. Sísifo se torna, assim, o símbolo perfeito da futilidade da vida, um homem que foi condenado pelos deuses a rolar até o cume de uma montanha uma pedra, todos os dias de sua vida para vê-la rolar novamente montanha abaixo. Contudo, para Camus, Sísifo não é uma figura tragicamente derrotada, mas um herói da resistência. Ele o imagina lutando contra as circunstâncias, feliz e, portanto, livre na luta contra seu destino. A pedra nunca para de rolar, mas o esforço de empurrá-la transforma-se em uma espécie de liberdade: Sísifo encerra uma forma de rebeldia ao insistir que, apesar de tudo, a vida vale a pena!
Esta é uma das lições mais significativas de Camus: a valorização da luta, mesmo que o resultado dessa luta seja incerto ou, mesmo, impossível. Esta é uma filosofia que ressoa ardentemente nos dilemas do mundo contemporâneo. Em uma época em que somos implacavelmente bombardeados por crises climáticas, desigualdades sociais, pandemias e um aumento do sentimento de impotência, as palavras de Camus nunca foram tão pertinentes. Ele não oferece soluções simples e confortantes! Delas, ele deixa este legado: um caminho a seguir para aqueles que querem ter a coragem de encarar o caos, o bom humor e a humanidade.
Camus foi também um humanista, mas em seu âmago, embora isso significasse para ele de maneira nenhuma benevolência ou ingenuidade. Em A Peste, pinta um retrato de uma cidade em sofrimento, abalada por uma epidemia — uma situação cuja estranha ecoação com o nosso mundo cruza com a história da pandemia de COVID-19. Mas o tema do romance não é o germes ou o horror da morte, mas as pessoas, a busca pela resistência, pela ajuda, pelo sentido nos pequenos atos de bondade. Para Camus, a solidariedade é uma forma de revolta, um modo de responder à indiferença do universo por um gesto de cuidado mas não se iluda: o humanismo de Camus não é o do sentimentalismo.
Ele sabia plenamente o que pesava a existência, o que eram as contradições do homem e a freqüência com que falhamos uns para com os outros. Mas foi posto de maneira reiterada que a única resposta para isso é continuar. Viver ainda sabendo que é absurdo viver; amar ainda sabendo que o amor não o resolve tudo. É esta tensãocomo o brutal realismo e a insistência na dignidade humana que faz a originalidade, a força mesma de sua filosofia.
Há algo de profundamente libertador na visão de Camus a este respeito. Uma vez que aceitamos que a vida é absurda, o significado não será mais procurado em qualquer fonte externa. O sentido da vida não se encontra em um deus, em uma ideologia ou em algum sentido do mundo, mas na vivência mesma da vida. Cada instante, cada escolha, cada leve resistência, tornam-se uma oportunidade criativa para a significação. E essa liberdade é assustadora, mas é também profundamente fortalecedora.
Contudo, o absurdo não deve ser aceito como solução para o niilismo ou para a apatia. Uma frase atribuída a Camus, embora sem confirmação, terá o mérito de bem resumir este espírito: “Abençoados os corações que sabem ceder; eles nunca serão quebrados.” Esta atitude de flexibilidade, contrária às rigidezes da vida, é essencial para a compreensão desta visão, para a qual, não se aceita, segundo ele, ao contrário, vencer o absurdo, e sim, viver com o absurdo, aprender a dançar em meio ao caos (como se diria). O absurdo é um companheiro e não é um mestre.
Essa atitude, simultaneamente desafiadora e prática, é igualmente refletida em sua concepção de liberdade. Camus considerava a liberdade individual indissociável da responsabilidade coletiva. Ele era um crítico implacável de qualquer ideologia ou sistema que sacrificasse a dignidade humana pelo bem maior. Em O Homem Revoltado, discute as maneiras como a revolta pode encarnar a tirania e avisa sobre as sequelas do fanatismo e do dogmatismo. Para ele, a verdadeira revolta é a que se apóia na liberdade, para si e para os outros.
E, ainda assim, Camus nunca foi um idealista no sentido comum do termo. Ele sabia que o mundo era imperfeito, que as pessoas eram falhas, que a justiça nunca seria total. Mas isso jamais foi pretexto para desistir. Se opusera, ao contrário, um motivo para não desistir, um motivo para permanecer lutando, para permanecer revoltando-se. Sua perspectiva sobre a justiça é profundamente humana: imperfeita, contudo necessária.
O impacto de Camus não se limita ao campo da concepção. Como escritor, ele tinha uma extraordinária habilidade de capturar a condição humana em toda a sua complexidade. Suas obras literárias, assim como suas obras filosóficas, são caracterizadas por uma linguagem ao mesmo tempo poética e acessível, profunda e informal. Ele foi um pensador que não apenas pensou a vida, mas também viveu as suas exigências, e esta característica do seu ser transparece em tudo que ele escreveu.
Na contemporaneidade em que o ceticismo e o desespero parecem ser as únicas respostas adequadas às crises que enfrentamos, Camus nos propõe uma alternativa: Ele aponta para o fato de que o absurdo da vida não é uma condenação à morte, mas um convite à liberdade; a ausência de significado não é um vazio, mas uma folha em branco; a resistência, mesmo a menor, é a vitória.
Portanto, quando contemplamos o legado de Camus, não vemos apenas um filósofo ou um escritor, mas um guia para encarar o caos com coragem e dignidade, um companheiro de luta na interminável batalha de ser humano. E, talvez mais valioso, um lembrete de que, mesmo que tudo na vida se apresente sem sentido, vale a pena vivê-la. No fim, ela simplesmente é — e isso já é suficiente.