Estar Só Não é Estar Vazio
Houve um tempo em que eu me sentia completamente sozinho. Meus dias se resumiam a uma rotina exaustiva de trabalho e faculdade, sem espaço para nada que fosse realmente meu. Era um ciclo fechado: acordar cedo, trabalhar, estudar, voltar para casa tarde da noite e recomeçar tudo no dia seguinte. Aos fins de semana, deveria ser diferente, mas não era. Como minha escala era 6x1, muitas vezes trabalhava nos domingos, folgava em um dia aleatório da semana e nem conseguia assistir meu Palmeiras jogar ou acompanhar um UFC que tanto gosto. Quando me dava conta, já era segunda-feira outra vez, e eu me sentia engolido pela rotina.
Não era apenas uma questão de falta de tempo. Era um sentimento de vazio, uma solidão que não se desfazia nem quando eu tentava conversar com alguém pelo celular. Na verdade, nessas horas, a sensação piorava. Era como se qualquer tentativa de contato soasse superficial, sem efeito real. Eu falava pouco com as pessoas, e quem mais me acompanhava eram os livros e meu café diário. Eram eles que preenchiam aqueles momentos em que o silêncio parecia mais pesado.
Mas então, um dia, sem planejar, eu simplesmente saí para andar. Não tinha um destino, nem pressa, nem compromisso. Apenas peguei minhas coisas e fui. Era noite, e a cidade estava relativamente tranquila. Eu poderia ter colocado fones, acelerado o passo, ouvido uma música qualquer para preencher o espaço, mas não fiz nada disso. Fui andando devagar, sentindo o vento bater no rosto, deixando a garoa cair sobre minha cabeça. E, pela primeira vez em muito tempo, eu me senti bem. Não porque alguma coisa grandiosa tivesse acontecido, mas porque, de algum jeito, aquele momento simples me trouxe um alívio que eu nem sabia que precisava.
Percebi que estar sozinho não precisava ser um peso. Naquele instante, a solidão não era um vácuo, um sinal de abandono ou tristeza. Era apenas um espaço, um tempo em que eu podia escutar meus próprios pensamentos sem interferências. Eu não precisava me distrair, buscar companhia ou ocupar minha mente com qualquer coisa. Bastava estar ali, presente.
Depois daquela caminhada, comecei a repetir o ritual com mais frequência. Passou a ser quase um compromisso comigo mesmo. Em algumas noites, eu saía para comer sozinho. Sentava em uma lanchonete qualquer, pedia um lanche, uma pizza ou qualquer coisa gostosa e apenas aproveitava aquele momento sem precisar falar com ninguém. No início, parecia estranho. Eu via mesas cheias de amigos, casais conversando, risadas espalhadas pelo ambiente. Mas, com o tempo, entendi que a minha companhia era suficiente. Eu podia estar ali, desfrutando do meu próprio tempo, sem pressão alguma. E aquilo era libertador. Antes, eu jamais entraria sozinho em uma lanchonete sem sentir um desconforto absurdo. Eu me preocuparia se me achassem estranho, se reparassem demais. Mas agora, cada garfada era uma afirmação: eu estou aqui, e isso basta.
A solidão, então, deixou de ser uma ausência e passou a ser uma escolha. E escolher estar sozinho, de vez em quando, é um ato de autonomia. Sartre dizia que estamos condenados à liberdade, que não há essência prévia definindo o que somos, apenas as nossas ações. Eu nunca tinha parado para pensar nisso, mas era exatamente isso que acontecia. A cada caminhada sem rumo, a cada noite sentado sozinho comendo algo que eu gostava, eu me escolhia. Escolhia me ouvir, estar comigo mesmo, sem precisar me encaixar no que esperavam de mim.
Porque no fundo, a rotina exaustiva não era só um acúmulo de tarefas, era um apagamento. Era como se cada dia igual ao outro fosse apagando minha própria presença no mundo. Eu estava ali, mas sem estar de verdade. Só quando parei e aceitei minha própria companhia foi que percebi o quanto tinha negligenciado a mim mesmo. O quanto tinha permitido que o cansaço me definisse, que o automatismo da vida me afastasse de mim.
Mas quebrar ciclos não é fácil. Mudar exige mais do que só perceber o problema, exige ação. E foi aí que comecei a mudar pequenas coisas. Criar espaços para mim dentro da rotina. Eu não podia largar tudo, não podia parar de trabalhar ou de estudar, mas podia me permitir pausas. Pequenos momentos que não serviam para produzir algo, mas apenas para existir.
A solidão, antes vista como um peso, agora é uma companhia que carrego com naturalidade. Ela não me exige nada, não impõe expectativas, não cobra palavras vazias. Está ali, silenciosa, mas presente. E, no fundo, sempre esteve. Eu apenas precisei olhar para ela de outro jeito. Passei a tratá-la não como um vazio a ser preenchido, mas como um espaço meu, onde me escuto de verdade, sem ruídos externos, sem a necessidade de moldar meus pensamentos para se encaixarem em conversas que, muitas vezes, nem me dizem respeito. A solidão não me faz menos completo, pelo contrário, me permite existir sem filtro, sem pressa, sem precisar ser algo além do que já sou.
E é por isso que hoje passo tanto tempo sozinho. Não porque precise, mas porque escolho. Caminho sem rumo, sento em cafés, observo o mundo sem interferir nele, e nesses momentos encontro uma paz que nenhuma multidão poderia me dar. Todos deveriam aprender isso, deveriam enxergar que a solidão não é uma inimiga, mas uma parte de si que nunca se separa, que nunca se desfaz. Quanto mais a negamos, mais ela pesa. Mas quando a aceitamos, quando a abraçamos, ela se transforma. Não é mais um fardo, mas um abrigo. Não é um castigo, mas uma escolha.
E talvez seja esse o segredo: entender que estar só não significa estar perdido. Pelo contrário, é muitas vezes na solidão que nos encontramos de verdade.