It’s not the fall that hurts, it’s how long it takes to land
O despertar foi silencioso, quase como se o mundo hesitasse em respirar junto com ele. Seus olhos abriram lentamente, e a luz da lua envolvia tudo com uma suavidade azulada, tingindo o céu de um tom quase irreal. Estava deitado sobre um campo de grama alta, cada haste movendo-se com a delicadeza de um segredo compartilhado entre o vento e a terra. O aroma doce das flores noturnas misturava-se ao frescor da brisa, e havia algo de aconchegante e triste na forma como o céu parecia tão vasto, tão indiferente e, ao mesmo tempo, tão familiar.
Ele se sentou devagar, o toque da grama úmida contra suas mãos trazendo uma estranha mistura de conforto e melancolia. Ao longe, uma fileira de árvores escuras delineava o horizonte, como guardiãs de um mundo que ele não reconhecia completamente. Cada folha parecia um sussurro em movimento, balançando suavemente ao ritmo do vento. Não havia pressa. Não havia som de passos ou vozes humanas, apenas o murmúrio constante da natureza e o suave cantar distante de algum pássaro noturno.
Por um momento, ele ficou ali, imóvel, absorvendo cada detalhe daquele lugar que parecia flutuar entre o real e o imaginado. O céu estava sem nuvens, apenas a lua, redonda e pálida, reinava soberana, lançando sua luz sobre o campo como se fosse uma pintura cuidadosamente desenhada. Os olhos dele se perderam nessa imensidão, como se buscassem respostas em cada estrela que cintilava tímida, escondida nos cantos mais profundos do firmamento.
Uma sensação de leveza o tomou, mas logo foi substituída por algo mais denso, um vazio que não era físico, mas existia em algum lugar profundo dentro dele. Era uma ausência que ele não conseguia nomear, uma lacuna invisível que parecia pesar mais a cada batida do coração. Ele sabia que havia algo que precisava se lembrar, algo importante, mas quanto mais tentava alcançar essa lembrança, mais ela escorria pelos seus dedos, como água em um riacho.
O vento soprou novamente, mais forte dessa vez, trazendo consigo o aroma de terra molhada e folhas antigas. Ele se levantou devagar, os pés descalços afundando levemente na grama macia. A textura era reconfortante, quase como se o próprio solo quisesse acolhê-lo, envolvê-lo em um abraço silencioso. Começou a caminhar, os passos lentos e cuidadosos, sem direção definida. Não havia pressa — apenas a necessidade de se mover, de sentir o mundo ao seu redor, de existir naquele momento sem questionar por quê.
A paisagem ao redor mudava sutilmente conforme ele avançava. O campo se abria em clareiras banhadas pela luz prateada, cada uma mais bela que a anterior, quase como cenários de um sonho cuidadosamente costurado. Em uma delas, havia um pequeno lago, sua superfície refletindo a lua de forma tão perfeita que parecia um portal para outro céu. Ele parou à beira da água, observando o próprio reflexo, mas a imagem que retornava parecia estranha, como se pertencesse a alguém que ele conhecia, mas não reconhecia completamente.
O silêncio ali era quase palpável, interrompido apenas pelo leve ondular da água e pelo farfalhar das folhas ao vento. Ele tocou a superfície do lago com a ponta dos dedos, e pequenas ondulações se espalharam, distorcendo a imagem por um instante antes de voltar ao normal. Sentiu uma pontada de saudade — não de um lugar, mas de um tempo, de uma sensação que ele não conseguia definir.
Enquanto permanecia ali, a brisa tornou-se mais suave, como se tentasse acalmá-lo, dizendo sem palavras que não havia motivo para temer. Mesmo assim, o vazio persistia, como uma presença silenciosa ao seu lado, discreta, mas impossível de ignorar. Não era uma ameaça, mas uma lembrança constante de algo que estava por vir, ou que já havia passado.
Ele voltou a caminhar, agora seguindo a margem do lago, os olhos atentos a cada detalhe ao redor. Havia uma beleza melancólica em tudo, uma espécie de poesia silenciosa que permeava cada folha, cada pedra, cada raio de luz que dançava entre as árvores. Os passos dele eram leves, quase flutuantes, e o mundo parecia responder a cada movimento com um cuidado delicado, como se o próprio espaço ao seu redor respirasse em harmonia com ele.
À medida que avançava, a sensação de que algo estava faltando se intensificava. Era como uma música que ele quase conseguia ouvir, uma melodia que se escondia nas sombras, nos espaços entre uma respiração e outra. Ele parou novamente, fechando os olhos, tentando escutar. O mundo parecia suspenso por um instante, como se prendesse o fôlego junto com ele.
Mas não havia resposta, apenas o mesmo silêncio, a mesma espera.
Quando abriu os olhos, o céu parecia ligeiramente mais claro, a luz da lua mais forte, iluminando o caminho à frente com uma clareza suave. Ele sentiu uma estranha determinação crescer dentro de si. Não sabia para onde estava indo, nem o que estava procurando, mas de alguma forma sabia que precisava continuar. Algo o chamava, sutil e insistente, e ele não podia ignorar.
Seguiu em frente, o coração batendo em um ritmo tranquilo, mas firme. O campo ao seu redor começava a se transformar, as árvores tornando-se mais densas, os caminhos mais sinuosos. O vento sussurrava entre as folhas, carregando segredos que ele não conseguia decifrar, mas que, de alguma forma, o guiavam.
E assim, ele continuou, cada passo levando-o mais fundo naquele mundo de sonhos e memórias, de beleza e vazio. Sabia que ainda não havia chegado ao fim — que aquela jornada estava apenas começando. E, por algum motivo que não conseguia explicar, isso parecia o suficiente.
Ele seguiu em frente, cada passo cuidadosamente depositado no solo macio, como se o mundo ao redor fosse um campo de vidro delicado, pronto para se partir ao menor deslize. O vento, antes uma carícia suave, agora se tornava mais denso, carregando um peso invisível que se enroscava em seus ombros e o fazia respirar mais fundo. As árvores ao redor se fechavam lentamente, como se quisessem protegê-lo ou talvez escondê-lo do que estava por vir.
O céu permanecia claro, mas a luz parecia mais distante, tingindo o horizonte de tons sutis entre o dourado e o cinza. Havia uma calma inquietante no ar, uma espécie de expectativa que ele não sabia explicar. Seus olhos percorriam o caminho sinuoso à frente, enquanto seu coração se ajustava a um ritmo novo, mais atento, como se tentasse decifrar a linguagem muda daquele lugar.
Ele não sabia exatamente o que procurava, mas sentia a ausência de algo que, de alguma forma, sempre estivera ali antes. Era uma sensação antiga, profunda, que vinha de um tempo sem nome, de um espaço dentro dele que nunca fora preenchido por completo. A cada passo, a melancolia crescia, mas não era uma tristeza sufocante — era uma tristeza bela, uma que se aninhava no peito e o fazia continuar, mesmo sem entender o porquê.
Ao longe, algo chamou sua atenção: uma casa antiga, quase engolida pela vegetação que a cercava. As paredes estavam cobertas por hera, como se a natureza tivesse decidido abraçá-la para sempre, a protegendo do mundo exterior. A porta, entreaberta, balançava levemente ao ritmo do vento, emitindo um som suave, quase imperceptível. Era um convite silencioso, uma promessa de respostas ou talvez mais perguntas.
Ele hesitou por um instante, a ponta dos dedos tocando a madeira fria da porta. Uma lembrança distante piscou em sua mente, fugaz como um sonho ao amanhecer. Algo familiar naquela cena, algo que ele não conseguia agarrar completamente, mas que o puxava para dentro com uma força irresistível. O ar ali era diferente, mais denso, impregnado de um perfume antigo de flores secas e terra.
Dentro da casa, a luz da lua entrava pelas janelas sem vidros, projetando sombras longas e suaves pelo chão de madeira desgastada. O silêncio não era completo; havia pequenos sons que pareciam surgir do próprio tempo — o estalar discreto das paredes, o farfalhar das folhas lá fora, o eco distante de passos que talvez nunca tivessem existido. Ele caminhou devagar, cada passo um encontro com o passado, cada respiração uma tentativa de se conectar a algo maior.
Retratos estavam espalhados pelas paredes, alguns cobertos por uma fina camada de poeira, outros quase apagados pelo tempo. Rostos que ele não reconhecia, mas que pareciam olhá-lo com uma cumplicidade silenciosa, como velhos amigos reencontrados depois de uma longa separação. Ele passou os dedos por um deles, traçando o contorno de uma imagem quase desbotada — um campo, uma noite, uma figura solitária olhando para o céu. Era quase como se estivesse olhando para si mesmo.
Uma melodia sutil parecia preencher o ar, não uma canção propriamente dita, mas uma sequência de notas invisíveis que pulsavam no silêncio. Era doce e melancólica, como um lamento antigo que o mundo havia esquecido de ouvir. Cada acorde trazia uma memória sem rosto, uma história sem palavras. Era quase confortante, mas também deixava um gosto agridoce na alma.
Ele continuou explorando a casa, os dedos tocando as superfícies envelhecidas, sentindo a textura do tempo em cada detalhe. Havia um corredor estreito que se perdia na penumbra, levando a um lugar que ele não podia ver, mas que de alguma forma sabia ser importante. Seu coração bateu mais rápido por um instante, uma pontada de ansiedade se misturando à curiosidade.
Lá no fundo do corredor, uma porta menor esperava, quase escondida na penumbra. Ele parou diante dela, a mão pairando sobre a tranca, como se esperasse uma permissão invisível para continuar. Respirou fundo e empurrou a porta com cuidado. O cômodo do outro lado era pequeno, quase vazio, exceto por uma janela aberta que deixava entrar a brisa noturna.
No centro do cômodo, sobre uma mesa simples, havia um objeto: um pequeno caderno de capa de couro desgastada. Ele se aproximou, os olhos fixos no caderno, como se fosse a chave para todos os segredos que o mundo ao redor guardava. Seus dedos tocaram a capa, sentindo a suavidade do couro marcado pelo tempo.
Ao abri-lo, encontrou páginas preenchidas com letras cuidadosas, algumas quase apagadas, outras ainda tão vivas quanto no dia em que foram escritas. Frases desconexas, poesias curtas, desenhos simples que pareciam capturar momentos de uma vida que ele não lembrava ter vivido. Cada palavra parecia sussurrar uma história, cada linha uma tentativa de segurar o tempo entre os dedos.
Ele leu em silêncio, o mundo ao seu redor desaparecendo por um instante. Cada frase o puxava mais fundo, cada palavra uma nota naquela melodia invisível que preenchia o ar desde que ele entrara na casa. Era um retrato de uma busca, de uma espera sem fim, de uma saudade que ele agora reconhecia como sua.
Quando fechou o caderno, algo dentro dele mudou. Não era uma resposta clara, mas uma sensação de compreensão, como se finalmente tivesse encontrado a linha que ligava tudo aquilo. O vazio ainda estava ali, mas agora parecia diferente, menos pesado, mais parte dele do que algo contra ele.
Ele colocou o caderno de volta na mesa e voltou-se para a janela aberta. A brisa noturna acariciou seu rosto, trazendo o aroma familiar das flores e da terra molhada. Do lado de fora, o mundo parecia respirar novamente, o campo iluminado pela lua chamando-o mais uma vez.
Sem pensar muito, ele saiu da casa, o caderno ainda vivo em sua mente, as palavras ecoando suavemente em seu peito. A noite o envolveu novamente, e ele caminhou em direção ao horizonte, onde o campo se abria em uma promessa de algo novo, algo que ele não podia ver, mas que sabia estar esperando por ele.
E assim, ele continuou, cada passo uma nota naquela melodia silenciosa, cada respiração uma nova parte de sua busca. Não sabia onde o caminho o levaria, mas isso já não importava. O importante era seguir, sempre seguir, enquanto a noite o abraçava com sua luz suave e silenciosa.
Ele continuou caminhando, cada passo arrancando um eco suave da terra, como se o mundo respondesse em murmúrios à sua decisão silenciosa. A floresta ao redor se tornava menos densa, as copas das árvores se abrindo lentamente para o céu, onde o azul começava a dissolver o véu da noite. A luz suave do amanhecer tingia o horizonte com um tom de ouro desbotado, iluminando o caminho sem pressa, como se aguardasse que ele estivesse pronto.
O vento, antes inquieto, agora era apenas uma carícia sutil, brincando entre seus cabelos, trazendo o aroma de terra fresca e folhas antigas. Era o cheiro de algo antigo e constante, um lembrete de que o mundo seguia em frente, mesmo quando tudo dentro dele parecia ter parado. Havia uma beleza tranquila nesse movimento perpétuo, um tipo de consolo para a alma cansada que ainda buscava sentido.
Seus pés descalços tocavam o solo com uma leveza quase ritualística, cada passo carregando algo de definitivo, como se cada movimento fosse uma escolha, uma aceitação silenciosa do que estava por vir — ou talvez do que nunca viria. Ele não sabia ao certo, mas, pela primeira vez, a incerteza não o assustava. Ela apenas existia, como a luz fraca do amanhecer ou o farfalhar das folhas ao redor.
Enquanto o céu clareava, ele parou por um momento e olhou para trás. Não havia marcas no chão, nenhum vestígio do caminho que tinha percorrido. Era como se o tempo tivesse apagado suas pegadas, deixando apenas a lembrança de um percurso que agora só existia dentro dele. E, curiosamente, isso não parecia importar mais. O passado não precisava ser carregado — bastava deixá-lo repousar ali, em silêncio.
Respirou fundo, o ar frio preenchendo seus pulmões e trazendo consigo uma sensação de leveza, como se cada inspiração fosse uma despedida silenciosa de tudo que já havia sido. Seus olhos percorreram a linha do horizonte, onde o céu começava a se fundir com a terra, uma fronteira indistinta entre o que ele conhecia e o que ainda estava por descobrir.
Aquela ausência que antes o consumia, o vazio que parecia impossível de preencher, agora era apenas uma parte dele, como uma cicatriz antiga que, apesar de nunca desaparecer, já não doía como antes. Ele a carregaria consigo, não como um peso, mas como um lembrete — uma memória de que havia caminhado por esse vazio e, de alguma forma, continuava de pé.
De repente, percebeu algo novo: um calor suave na pele, tímido, mas crescente. O sol surgia no horizonte, derramando sua luz delicadamente sobre o mundo, transformando o campo em um mar dourado. As sombras se alongavam e desapareciam, engolidas pela claridade. Havia uma promessa silenciosa naquele amanhecer, não de respostas, mas de continuidade.
Ele sorriu, um sorriso pequeno, quase imperceptível, mas genuíno. Não era um gesto de vitória ou alívio, mas de simples compreensão. As perguntas que antes o atormentavam ainda estavam lá, mas haviam perdido o peso. O que importava, afinal, não era a resposta, mas a disposição de continuar perguntando.
Sem olhar para trás novamente, ele deu mais um passo, depois outro, o caminho se estendendo à sua frente, desconhecido e aberto. Não havia certeza sobre onde ele levaria, mas isso já não importava. A única certeza era o próximo passo — e, por enquanto, isso bastava.
O vento soprou suavemente outra vez, acompanhando seus passos, e o mundo ao seu redor parecia respirar junto com ele. O céu clareava cada vez mais, e a melancolia, antes tão densa, agora se dissolvia no ar, deixando apenas uma ternura estranha, uma paz provisória que era suficiente.
Ele seguiu em frente, o horizonte esperando pacientemente por ele, cada passo uma promessa silenciosa de que o dia o acolheria, independente de qualquer coisa. E, ao caminhar para o desconhecido, ele percebeu que, às vezes, aceitar o vazio era a forma mais pura de liberdade.