O Pantanal Está Morrendo e Isso Te Afeta Mais do Que Você Pode Imaginar

Eduardo Portilho
8 min readJan 13, 2025

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Pantanal Sul-Mato-Grossense

O que você faria, se soubesse que o maior pântano do mundo esta à beira do colapso? De 2018 até o final de 2024, o Pantanal perdeu cerca de 40% da sua área alagada. O que antes já foi 5,4 milhões de hectares hoje são apenas 3,3 milhões, uma perda incalculável em menos de uma década. E a situação é ainda pior: há quatro décadas, essa área já chegou perto de 10 milhões de hectares, ou seja, perdemos mais de 60% dessa área. Estamos assistindo ao desaparecimento acelerado de um dos maiores tesouros naturais do planeta. Neste artigo, vamos mergulhar no porquê desta devastação e procurar respostas para uma pergunta fundamental: podemos salvar o Pantanal, antes que seja tarde demais?

O Pantanal, maior planície alagada do mundo, possuindo cerca de 150.000km²(somente em território brasileiro, e chegando a quase 200.000km² considerando territórios paraguaios e bolivianos) é um dos grandes reguladores de ciclos climáticos e hídricos do mundo. Sua imensa vegetação contribui de maneira extremamente importante na captura de carbono e manutenção da qualidade do ar. Além disso, é habitat para milhares de espécies de plantas e animais, incluindo 325 espécies de peixes, 159 mamíferos e mais de 650 espécies de aves, muitas delas endêmicas. O bioma também sustenta comunidades tradicionais, como indígenas, ribeirinhos e pantaneiros, que dependem diretamente dos recursos naturais ali oferecidos para sua subsistência e preservação cultural.

Desde o início dos anos 2000, os desafios que o Pantanal enfrenta aumentaram em complexidade e gravidade. O desmatamento histórico, antes provocado pela expansão das fronteiras agrícolas e pela pecuária extensiva, foi potencializado por políticas que favoreceram o agronegócio, em detrimento dos serviços ambientais das florestas. Essa crítica não é diretamente ao agronegócio, que possui um papel fundamental para o Brasil, onde é responsável por mais de R$2,58 trilhões do PIB brasileiro, a crítica reside na flexibilização das leis ambientais, ocorrida principalmente durante o governo Bolsonaro, que resultou em um aumento assustador no desmatamento e nas queimadas, custando bem mais ao país, ambiental e economicamente, do que os lucros obtidos com as práticas predatórias. A competição entre EUA e China pelo domínio econômico global tornou o Brasil um dos principais fornecedores de soja, carne e milho . Durante os governos de Michel Temer (2016–2018) e Jair Bolsonaro (2019–2022), a China se tornou o maior comprador de produtos brasileiros. Essa guerra comercial favoreceu o Brasil como fornecedor de produtos agrícolas, mas deixamos em segundo plano a possibilidade de impor modelos sustentáveis, como o que o Vietnã desenvolveu em agroecologia, pois policulturas e monoculturas são cultivadas em florestas, causando menor impacto ambiental.

Não é necessário ir tão longe para encontrar exemplos bem-sucedidos de agroecologia. As plantações de açaí, na Amazônia, demonstram que é viável ter lucro, preservando o ecossistema. Porém, o Brasil decidiu priorizar o lucro rápido, ignorando os efeitos de longo prazo, em vez de copiar esses modelos. Nos governos de Lula e Dilma, foi criado o Plano ABC (Agricultura de Baixa Emissão de Carbono), com potencial de se tornar a referência global. Contudo, após o impeachment de Dilma Rousseff, esse plano perdeu força e recursos, e deixou um legado de oportunidades perdidas para o nosso desenvolvimento sustentável.

A destruição do Pantanal não é uma questão apenas ambiental, mas um desastre humanitário. Os ribeirinhos, indígenas e pantaneiros, que convivem de forma harmônica com o bioma há gerações, estão perdendo seus meios de subsistência. A pesca, uma das principais atividades econômicas desse grupo, diminuiu drasticamente em função do encolhimento das áreas alagadas e da contaminação dos rios como consequência de produtos químicos usados nas plantações próximas. Além disso, os incêndios constantes devastam áreas de coleta de frutos, como bocaiuva, e dificultam a pecuária de gado em sistemas tradicionais de manejo sustentável. Esses povos invisibilizados nas grandes decisões políticas são os que mais sofrem com o descaso e a ganância que afetam a destruição do Pantanal.

A gestão ambiental também teve um caráter fundamental em tal colapso. Sob o governo Bolsonaro, os cortes orçamentários referentes ao IBAMA e ao ICMBio superaram 30%, desvalorizando a fiscalização e permitindo o êxito de atividades ilegais . A redução das multas ambientais — que caíram em torno de 35% neste intervalo de tempo — estimulou a impunidade para crimes, como o desmatamento e as queimadas. Um nome emblemático deste retrocesso foi o de Ricardo Salles, à época ministro do Meio Ambiente do Governo Bolsonaro — cujas declarações, como a célebre “passar a boiada” , consubstanciaram o descaso do governo com a preservação ambiental. Suas políticas teceram tragédias ecológicas de proporções históricas — 26% do Pantanal tinha queimado no ano de 2020, com seus 4,5 milhões de hectares destruídos em um único ano.

A sua degradação não é um problema doméstico, mas brasileiro. O Pantanal é um dos principais sumidouros de carbono do planeta e primordial no combate ao aquecimento global. A sua destruição, por sua vez, devolve grandes quantidades de carbono que existiam no solo e na vegetação, agravando ainda mais as mudanças climáticas. Outrossim, a perda da biodiversidade ataca as cadeias alimentares e os fluxos migratórios que as espécies dependentes do ecossistema precisam para reproduzirem. O impacto deste fenômeno não está restrito ao Brasil: os eventos climáticos extremos (secas e enchentes) se tornaram mais comuns, afetando economias e gentes de todo o mundo.

Casos de impunidade no Pantanal são alarmantes. Fazendeiros como Marcelo Bastos Ferraz e José Teixeira Carvalho foram investigados. Eles são suspeitos de serem os responsáveis pelos incêndios ilegais, que foram executados com o objetivo de expandir suas pastagens. Empresas como a Agropecuária Campo Verde e a Usina São Fernando de Mato Grosso do Sul aparecem em denúncias de desmatamento e uso indevido dos recursos hídricos. Mesmo quando essas empresas foram autuadas pelo IBAMA, muitas delas raramente pagam os valores devidos, devido a judicialização dos processos e a conivência por parte dos políticos da região. O ciclo vicioso da corrupção e do protecionismo institucional consolidou a degradação ambiental. Nesse âmbito, políticos, devem promover políticas públicas que garantam a sustentabilidade do bioma, como o recente FCO Pantanal, programa criado para ampliar o acesso aos recursos do Fundo Constitucional do Centro-Oeste (FCO), com o propósito de financiar atividades econômicas na região do Pantanal que foram afetadas pela estiagem e pelos incêndios descontrolados ocorridos nos anos.

Para reverter essa situação, é necessário adotar práticas sustentáveis que combinem a conservação ambiental ao desenvolvimento econômico. Práticas agroecológicas como as do Vietnã, ou o extrativismo do açaí na Amazônia, podem ser modelos. No Pantanal, seriam incentiváveis cultivos de arroz pantaneiro, bocaiuva guavira e araçá, trazendo renda à comunidade residente, sem agredir o ecossistema. Sistemas agroflorestais, associando o gado com o plantio de árvores frutíferas e gramíneas, constituiriam uma alternativa viável e sustentável.

Complementarmente, é fundamental a adoção de políticas públicas robustas: incentivo fiscal aos produtores que adotem práticas sustentáveis; linhas de crédito verde para financiar iniciativas de conservação do ambiente; capacitação para os agricultores, com técnicas de manejo sustentável; certificação dos produtos do Pantanal que o valorize no mercado internacional.

A educação ambiental também desempenha um papel fundamental, a conscientização sobre a importância do Pantanal e das práticas sustentáveis pode mobilizar a sociedade e pressionar o governo e as empresas a adotar políticas mais responsáveis. Essa educação precisa ser inserida desde os primeiros anos escolares, com mais aulas sobre como preservar o meio ambiente hoje, é ter um futuro amanhã.

O Direito Ambiental deve constituir um dos pilares dessa transformação. É necessário reforçar a legislação ambiental, assegurando que os crimes contra o meio ambiente sejam efetivamente punidos. A criação de tribunais especializados em questões ambientais poderia acelerar os processos e assegurar que as multas sejam pagas e aplicadas na recuperação de áreas degradadas. Além disso, o fortalecimento de instituições como o IBAMA e o ICMBio é imprescindível para esta fiscalização e que seja realizada de forma eficiente e livre de corrupção.

A responsabilidade não é só do governo. Empresas, organizações não governamentais e cidadãos são também alguns dos responsáveis pela preservação do Pantanal. A pressão popular pode ser um tremendo motor para mudanças políticas; enquanto as iniciativas privadas podem abrir caminhos para uma maior responsabilidade ambiental. O exemplo de grandes redes varejistas que boicotaram produtos em razão de desmatamento ilegal é a prova de que o mercado pode influenciar práticas empresariais.

O progresso na conservação do Pantanal e do Cerrado em 2024 é uma fonte de otimismo. Os dados do DETER trazem uma redução significativa do desmatamento das referidas áreas, com redução de 77,2% para o Pantanal e de 48,4% em relação ao Cerrado, comparando-se ainda o período de agosto a novembro de 2024 em comparação ao mesmo período do ano 2023. Este resultado é o reflexo positivo das políticas públicas, com destaque para intensificação da fiscalização e planos de ações implementados para cada bioma, como, por exemplo, o PPPantanal e o PPCerrado.

Entretanto, esses avanços deverão ser mantidos e até expandidos para que se consolide este ganho e a meta do desmatamento zero seja alcançada até 2030. A conservação dos biomas brasileiros não é apenas uma obrigação ambiental, mas premissa do desenvolvimento sustentável para garantir a sobrevivência das futuras gerações e garantir a integridade do patrimônio natural do País. No final das contas, é fundamental considerar que o futuro do Pantanal é também o futuro do Brasil.

Sem o Pantanal, haverá perda de biodiversidade, de ciclos hídricos e de uma oportunidade singular de o Brasil ser o líder mundial em sustentabilidade. O Pantanal não é apenas um bioma, mas patrimônio natural, econômico e cultural que compõe um distintivo da construção da nossa identidade nacional. É tempo de defendê-lo de forma inteligência, corajosa e determinada, antes que seja tarde demais.

DADOS BIBLIOGRÁFICOS

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