Se Eu Fosse Uma Árvore

Eduardo Portilho
5 min readJan 21, 2025

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Às vezes, me pego pensando no quanto é difícil ser o que esperam de mim. Não que eu ache que tenho que corresponder a tudo — talvez eu até saiba, no fundo, que é impossível — , mas o peso de decepcionar quem amo me faz sentir menor. Não sou o melhor filho, o melhor namorado, o melhor amigo. Eu tento, mas parece que cada tentativa é um passo em falso. Não erro por querer; erro porque ainda não sei bem o que estou fazendo, e talvez ainda esteja aprendendo, mesmo que de uma forma atrapalhada. É estranho reconhecer isso, admitir para mim mesmo que estou perdido em um labirinto que construí com minhas escolhas.

Uma vez, uma amiga me disse que não tem problema errar. Que nosso cérebro só se desenvolve totalmente aos 21 anos. Bom, não lembro ao certo tudo o que ela disse, não porque não prestei atenção, mas porque o que me marcou foi o “não tem problema errar”. Aquilo me deu um alívio breve, mas também me deixou confuso. Porque tudo parece um problema. Não saber o que fazer, não dizer o que devia, não ser quem gostaria. É como se cada erro fosse uma peça quebrada que tento desesperadamente colar, mas sempre sobra uma rachadura para me lembrar do que poderia ter sido diferente. Parece até que a gente nasceu com um manual invisível que todo mundo, menos eu, recebeu.

Se eu pudesse voltar no tempo, há tantas coisas que mudaria. Talvez eu tivesse ouvido mais meus pais, deixado de lado discussões inúteis que só serviram para machucar quem eu amo. Eu teria sido mais paciente, mais atento. No ensino médio, poderia ter estudado mais, escolhido melhor meu caminho, entendido o valor das oportunidades que deixei passar. Mas não fiz nada disso. Tomei decisões que me trouxeram até aqui, e aqui estou, pensando se esse lugar é o que eu queria. Direito é o curso que escolhi, mas não sei se é o curso que me escolheu. Não que eu não goste do meu curso, mas sei que não foi a melhor escolha.

E meu irmão… quantas brigas bobas. Ele merecia um irmão mais presente, alguém que fosse mais que um reflexo difuso no canto dos olhos. Agora, essas coisas parecem ridículas, mas ainda estão ali, gravadas em algum canto da memória. Eu deveria ter sido mais presente. Com meus amigos, a mesma coisa. Algumas amizades foram perdidas, e não porque quis, mas porque deixei que o tempo e a distância fizessem seu trabalho. Hoje, penso em escrever cartas para cada um deles, entregá-las como um pedido de desculpas, um reconhecimento tardio de quanto foram importantes para mim. Mesmo os que talvez não mereçam mais ouvir isso.

Minha vó… não sei quanto tempo ainda tenho com ela. Sinto que deveria passar mais horas ao seu lado, ouvindo suas histórias, ou apenas ficar do lado dela enquanto ela me olha. E meus pais, que sempre me aconselharam a economizar, a pensar no futuro. Eu não ouvi, e agora me vejo sufocado por apertos que poderiam ter sido evitados. Poderia ter feito tanta coisa diferente. Poderia ter sido mais corajoso, explorado mais, vivido com mais intensidade.

Queria ler mais. Simples assim. Deveria ler mais, estudar inglês direito e tirar do papel os planos para aprender mandarim. Queria ter aproveitado melhor as minhas viagens, parar de ser idiota e ir para a academia sozinho, sem ficar pagando para não ir. Arrumar uma maneira de ganhar mais dinheiro. Talvez fosse bom. Às vezes, imagino cenas que parecem saídas de um sonho. Eu, deitado na grama, vendo o dourado de um pôr do sol, ouvindo músicas que mexem comigo, aquelas que trazem memórias e me fazem chorar sem razão aparente. Penso no sonho de infância de morar numa floresta no Canadá, cercado de árvores que parecem saber mais da vida do que eu jamais saberei. Ou escalando montanhas na Suíça, sentindo o frio cortar meu rosto enquanto olho para um horizonte que parece infinito. Ou ainda no Monte Fuji, onde o amanhecer deve ser tão sereno que talvez faça tudo valer a pena.

A COVID-19 destruiu parte da minha vida, mas, ironicamente me deu momentos de felicidade, especialmente em parte do ensino médio. Sou muito feliz com a minha namorada, mas sinto que não sou um bom namorado. Às vezes, não consigo ficar acordado até tarde com ela, nem mesmo quando ela está doente. Eu acabo dormindo. Pode parecer bobo, mas isso me chateia tanto. Queria cuidar dela melhor.

Eu sei que sou frágil, mas é difícil aceitar isso. O orgulho me impede de admitir minhas vulnerabilidades, como se reconhecê-las fosse me tornar menor. Mas talvez seja o contrário. Talvez seja na fragilidade que a força real se revele. Eu deveria ser mais forte, mas não do tipo que esconde seus medos. Forte como quem abraça suas falhas e, mesmo assim, segue em frente.

Eu queria ser melhor. Talvez ser poderoso. Quem sabe acabar com a fome? Ser presidente? Um grande professor? Um ótimo biólogo? Não sei, mas acho que seria legal. E, às vezes, penso: e se eu morresse agora? Meus pais sofreriam. Eu escreveria para não contarem para a minha avó. Minha namorada também sofreria, mas sei que ela seria feliz com alguém melhor no futuro. Ainda assim, eu não posso fazer isso. Mais do que ficarem tristes, acho que eles se decepcionariam comigo. E eu também, mesmo que um pouco.

A verdade é que, mesmo com tudo isso, eu tenho muito pelo que ser grato. Minha família é boa. Estou na faculdade, tenho uma namorada incrível que me faz querer ser melhor. Aos poucos, estou aprendendo a lidar com as coisas que me machucam, a remendar laços que um dia pensei estar perdidos. Mas, ainda assim, essa tristeza me acompanha. Não é só pelo que não tenho, mas pelo que sinto que não consigo ser. Pela incapacidade de oferecer ao mundo o que eu gostaria, de ser tudo o que as pessoas ao meu redor merecem.

Às vezes, penso em ser uma árvore. Uma árvore antiga, escondida na Floresta Negra da Alemanha. Uma testemunha silenciosa da passagem do tempo, das guerras e amores, dos pássaros que vêm e vão, das folhas que caem e renascem. Uma árvore que já ouviu poesias dos animais e palavras humanas que variam entre a beleza e o horror. Uma árvore que apenas é, sem precisar justificar sua existência.

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